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02 junho 2010

EDITORIAL – Uma lei para fazer parte da vida política do país

 
João Capiberibe e Janete Capiberibe: Autores da Lei.

O Jornal Valor, o de maior circulação no meio empresarial e financeiro, destacou hoje, em editorial, a iniciativa de João Capiberibe, governador do Amapá (1995/2002) e senador da República (2003/2005), autor da Lei Complementar 131/2009, que obriga a transparência nas contas públicas.

   

VALOR – Treça-feira, 1 de junho de 2010
   

Sob o pretexto de que a exigência não havia sido regulamentada, a maioria dos Estados e municípios e os poderes Legislativo e Judiciário deixaram de cumprir o prazo – supostamente fatal – de até quinta-feira para a divulgação das suas contas pela internet. Uma emenda à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em maio do ano passado pelo Congresso, determinou que, no prazo de um ano, todos os entes federados, exceto os municípios com menos de cem mil habitantes, teriam que divulgar, em tempo real, as suas receitas e gastos. Somente o governo federal e sete dos 26 Estados abriram as suas contas, com todas as informações exigidas pela legislação, dentro do prazo estabelecido. O Distrito Federal também está obrigado às mesmas regras e ainda não as cumpre. O Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Procuradoria-Geral da República, o Senado e a Câmara ainda não estão integrados ao sistema federal.

Na sexta-feira, para não restar mais dúvidas, o governo publicou o decreto 7.185, com regras para o sistema integrado da administração federal, que passa a contar com uma regulamentação para todos os poderes federais e para a formatação dos sistemas dos demais entes federados. O decreto, que regulamenta um sistema criado por uma lei já suficientemente clara, apenas não diz o óbvio quando a flexibiliza. Em função das pressões dos municípios, o texto entendeu como “tempo real” a inclusão dos gastos e receitas no dia útil subsequente a sua realização – uma informação “on-line” com um atraso mínimo de 24 horas de divulgação.

Com a tecnologia atual, a dificuldade alegada para a alimentação, em tempo real, de portais de transparência de União, Estados e municípios é quase anedótica. Essa positiva mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal, obtida graças a uma emenda constitucional apresentada em 2005 pelo ex-senador João Capiberibe (PSB-AP), resulta de sua experiência como governador do Amapá. No longínquo Estado da Federação, o sistema integrado de informação das contas públicas foi implantado em 2001, num sistema de banda lenta. Segundo Capiberibe, era o “cipó net”. Ainda assim, qualquer cidadão do Amapá podia – e pode até hoje – acompanhar cada gasto do governo no momento em que era feito. Quase uma década depois, e com os avanços tecnológicos ocorridos no período, é curioso que se alegue qualquer dificuldade para isso.

Diante do êxito da experiência num Estado pobre e distante dos grandes centros, é de se perguntar também a razão pela qual o Estado de São Paulo caminhou de forma tão pouco determinada no sentido de cumprir o novo artigo da LRF. Segundo a “Folha de S. Paulo”, o Estado passou a informar os fornecedores, mas não divulga detalhes do produto e dos serviços adquiridos.

A chamada Lei Capiberibe obriga “a disponibilização mínima dos dados referentes (…) ao bem fornecido ou prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento”, sob pena de bloqueio das transferências da União e de titular do cargo público ter que responder judicialmente por improbidade administrativa. A lei abrange Estados e municípios e as estruturas judiciárias e do Ministério Público em todos os níveis federativos. Os municípios com menos de cem mil habitantes terão até 2011 para se adaptar às novas exigências.

Segundo o decreto que regulamenta a lei, o prazo de alimentação do sistema é o “primeiro dia útil subsequente à data do registro contábil”. Qualquer cidadão pode ter acesso aos dados, independentemente de cadastro ou senha. Os portais devem dar acesso a informações sobre despesas – valor do empenho, liquidação e pagamento, beneficiários dos pagamentos e bem fornecido ou serviço prestado – e receitas.

Apesar dos percalços de implementação, a regra tende a dar resultados altamente positivos de moralização da gestão pública, a exemplo da lei que a abrigou, a de Responsabilidade Fiscal, que começou a surtir efeitos a partir de 2001 e produziu uma revolução na gestão pública do país. Uma característica desse tipo de lei é que ela se torna um ganho de cidadania do qual governantes eventuais não conseguem dispor. A partir de agora, a prestação de contas quase que simultânea ao gasto do dinheiro público passará a ser parte da vida política do país.

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